Embaixador Castro Neves: China a longo prazo

O Globo | Luiz Augusto de Castro Neves | Nas relações entre o Brasil e a China, já se tornou quase um lugar-comum dizer que, nas negociações entre os dois países, o lado chinês sabe perfeitamente o que quer do Brasil enquanto, do nosso lado, a pergunta que se faz é: e nós sabemos o que queremos da China, além de vender commodities sujeitas às instabilidades do comércio internacional? Nosso relacionamento econômico tem sido uma história de sucesso — a China é hoje o principal parceiro comercial do Brasil e, até o ano passado, o maior investidor estrangeiro. Já há hoje mais de 200 empresas chinesas no Brasil, presentes em 23 unidades da Federação.

A China está às voltas com uma mudança importante em matéria de estratégia econômica. Desde 1978, com as reformas promovidas por Deng Xiaoping, sua estratégia baseou-se em elevadas taxas de poupança e uma agressiva política de exportações, o que lhe permitiu tornar-se em poucos anos a segunda maior economia do mundo. Essa estratégia era possível com uma economia mundial em expansão, o que permitiu ao país “invadir” o resto do mundo com produtos baratos e de qualidade crescente. A partir de 2008, a crise econômica mundial levou à redução do crescimento chinês, cujas taxas diminuíram para 6% a 7% ao ano depois de ter passado um longo período crescendo a taxas de dois dígitos. Isso levou a China a repensar sua política econômica, que passou a ter como prioridade não mais a poupança, e sim a expansão do consumo interno e do setor de serviços, deslocando a indústria como o setor mais dinâmico da economia chinesa. Ainda assim, a China continuou a crescer a taxas bem superiores à média mundial. A OCDE estima que em 2060 seu PIB será o dobro do PIB total da OCDE e cinco vezes o PIB dos Estados Unidos.

Do lado brasileiro, há que se notar que o desequilíbrio das contas públicas dificilmente será corrigido nos próximos anos. A principal consequência do inevitável ajuste econômico ora em debate será um crescimento modesto da economia. É possível, portanto, afirmar que a demanda externa terá necessariamente papel relevante no crescimento da economia brasileira, destacando-se o papel central da China para a retomada do crescimento.

Os desafios são grandes — a China não é uma panaceia; boa parte desses desafios tem a ver com o nosso “dever de casa”: realizar reformas internas para a retomada do crescimento em bases sustentáveis e promover a nossa “correta inserção no sistema internacional”, como dizia Deng Xiaoping. Deveremos enfrentar obstáculos crescentes no mercado internacional para a exportação de nossos manufaturados; alguns setores industriais menos competitivos e voltados para o mercado interno insistirão no uso de mecanismos de defesa comercial; e a própria China tem feito uso de barreiras não tarifárias para penalizar exportações brasileiras, como açúcar e frango.

O Brasil precisa refletir sobre a importância de nossa relação com a China com um olhar de longo prazo. É necessário examinar cuidadosamente os objetivos estratégicos e planos de desenvolvimento do governo chinês e identificar pontos de convergência com os nossos próprios objetivos e potencialidades. Trata-se, portanto, de levar a parceria a um patamar mais elevado, tendo em mente que a China tem valorizado o papel do Brasil na América do Sul e pode ser um fator de consolidação desse papel. A economia chinesa tem forte dirigismo estatal. Essa circunstância faz com que o papel do governo brasileiro seja fundamental para, em conjunto com o setor privado, delinear uma estratégia de longo prazo para a China e o Leste da Ásia, levando em consideração aspectos geopolíticos e objetivos econômicos concretos. Cabe ainda uma avaliação dos mecanismos bilaterais existentes, com vistas a produzir soluções práticas para enfrentar os desafios que teremos pela frente. A tarefa de definir uma estratégia é, sem dúvida, parte de nosso dever de casa.

*Luiz Augusto de Castro Neves é presidente do Conselho Empresarial Brasil-China e foi embaixador do Brasil na China

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